terça-feira, 27 de janeiro de 2009


A cortina abriu-se, e uma porção de velas, distribuídas pelo tablado iluminaram, num crescendo os músicos instalados no palco. Os músicos produziam um som uniforme entre todos os instrumentos que se intensificava junto com a luz das velas, e o som ia crescendo, crescendo até alcançar uma intensidade que envolvia os presentes como uma massa... E de repente... Crash! Tum! Pack! Skip! Toingt!@ chuatt! Sxiuzd! O som homogêneo se despedaça em múltiplos sons desconexos, agudos, graves, desconexos, soltos, caos! Trovão! Relâmpagos e raios! Explosões! Parecia que os músicos tinham pegado aqueles instrumentos pela primeira vez! Os instrumentos iam produzindo sons sinistros e aterradores, e Lúcifer descabelava-se. Gesticulava mas que um guarda de transito. Nem parecia aquele cara que tão elegantemente comandava aquelas músicas serenas e, porque não dizer, angelicais. Gesticulava à esquerda, à direita, enfurecia. Suas asas contorciam estertorosamente. Os espectadores olhavam para tudo, perplexos.

Não batiam uma asa sequer. não moviam uma pálpebra. Estavam em um transe coletiva. Sentiam-se perturbados, aquela música os deixava com um certo sentimento de desordem. E não só por causa da viagem da própria música, mas também por causa da estranheza daquilo tudo. Estavam entre adorar aquela música visceral e se forçar a não gostar. Não sabiam o que sentir. E se pensassem (ou soubessem que podiam) também não saberiam no que.

Os músicos suavam, arfavam. Extasiavam-se. Embora também estranhassem, mas confiavam muito, ou melhor, obedeciam a Lúcifer.

Um pequeno coral cantava uns vocalizes meio góticos.

Lúcifer enternecia-se, embrutecia-se, enlouquecia, mudava repentinamente seu estado de espírito.

Uma explosão caótica de sons dominava todo o anfiteatro.

A radicalidade daquilo chocou a angélia profundamente, e eles não sabiam como reagir àquilo. Os anjos nunca sabiam reagir a situações novas. Porque toda a sua existência era predefinida. Todas as coisas eram como elas eram, e todos agiam como tinham que agir. No céu tudo era falso, tudo em desacordo, com arvores e pedras e branco. Um bom tempo depois, a angélia estava extenuada. Já nem aplaudiam mais quando lúcifer parava repentinamente, e ficava assim um bom tempo, pois eles já sabiam que a música não tinha acabado. Era mais uma das longas pausas musicais do Maestro. Lúcifer ficava assim, ouvindo a última vibração dos instrumentos continuar pelo espaço, e ir caminhando ... Se afastando... Até quase sumir. Note-se que os sons não perdiam o vigor nunca, pois em éter não tinha atmosfera nem nada, e o som lá não precisava de ar para se propagar. Os anjos podiam manipular o som, brincar com ele. O som também era parte integrante do éter. “Sentir a música” lá não era só uma força de expressão. Mas o lúcifer sabia que elas não sumiam nunca. Ficavam lá até que os anjos já nem a percebessem mais. E olha que em questão de ouvidos privilegiados, os anjos são imbatíveis. Ouvem sons que para nós não são mais que zumbidos. Porque vocês acham que eles vivem se metendo nos assuntos da gente? Seu ouvido faria inveja às minhas vizinhas que passam o dia inteiro defronte da casa. Nós nunca saberemos a magna sensação de ouvir os últimos ruídos do acorde anterior mesmo quando o próximo acorde já está em pleno vigor. E lúcifer ficava lá admirando aquele tênue som.

Lúcifer costumava dizer que o silêncio era uma parte nobre da música. O músico não tinha que dominar só o som, mas também o silêncio.

Enfim ajoelhado e com uma aparência decadente de tanta felicidade, lúcifer dava as últimas batutadas. Novo silêncio. Ninguém aplaudiu porque todos pensaram que era outra pausa musical. Até que as velas foram se apagando de novo bem de vagarinho. Depois de muito tempo, alguém puxa tímidos aplausos. Leia-se o Lorde. Logo os anjos também aplaudiram, e nem eles sabiam se por causa do lorde, porque gostaram da música, se por que eram educados, se porque não sabiam o que fazer, e seguiram o primeiro movimento impulsivo que surgiu, e não sabiam nem se não aplaudiam. Os aplausos aumentavam e diminuíam de intensidade, indecisamente. Os castiçais foram novamente iluminados pelas velas que se reacenderam, e os músicos e lúcifer agradeceram. Lúcifer já estava completamente recomposto. Fecha-se a cortina sobre eles. os músicos dirigem-se a seus camarins, e lúcifer ao seu individual (a sala da maestria).

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