sexta-feira, 23 de janeiro de 2009


Pois, conforme eu havia dito, lá estava o lúcifer calmamente (o que quer que se entenda por calmamente em matéria de maquinações luciferianas) caminhando por aqueles campos de imenso branco (ou azul) (ou verde) (ou amarelo) (ou qualquer outra cor) dirigindo-se a lugar nenhum, pensando na morte da bezerra, coisa típica do lúcifer que eu acredito que seja o motivo pelo qual os caprinos são sempre associados ao lúcifer, aspirando a sua próxima composição quando topa com fabriciel, um dos seus melhores amigos, ou melhor, o melhor. Passam direto, lado a lado, um sem notar o outro. Parecem se reconhecer tardiamente. Param, dão de ré, vêem-se.

- e aê, fabão. Que coincidência, a gente se encontrar pó aqui.

- irônico como sempre, hein. No seu caso eu não posso dizer que seja uma ironia. Por que você anda tão sumido, hein?

- estou meio ocupado. Estou organizando um enorme espetáculo musical, cara. E agora, às vésperas, está uma correria maluca. Mas hoje tirei uma folguinha pra espairecer um pouco.

- claro, eu fiquei sabendo.

- pois é, eu pensei que você poderia fazer a cobertura do espetáculo para mim.

- pode até ser, mas você vai ter que ir comigo até o chefão da gazeta etérea e...

- gazeta? Mas você não estava no correio celeste?

- isso foi antes, mas me fizeram uma proposta melhor, entende?

- se eu entendo... Não, não entendo não. Como assim uma proposta melhor?

- é que lá eu vou trabalhar com diplanação e pesquisas, numa empresa do jornal chamada Instituto do Bem-aventurado Onisciente-Onipresente-Onipotente de Pesquisas e Estatísticas em éter, o IBOOOPEE, ou simplesmente IBOPE. O que se encaixa melhor na área em que eu gosto de atuar.

- ou seja, você pesquisa a opinião de uma classe que não opina?

- É.

- mas e o evento?

- vou tentar abrir uma exceção, mas qualquer coisa eu mando algum colega da redação.

- beleza, cara. Ow, eu estou de folga agora e não sei se estarei de novo. Por que a gente não vai lá agora?

- ih, cara. Não vai dar não. É que eu tô meio ocupado. Aliás, eu tô muito ocupado. Tenho que fechar essa pesquisa quanto antes e entregar os resultados ao lorde.

- mas pesquisa sobre o quê?

- o lorde encomendou uma pesquisa sobre o convívio entre os anjos. CLARO! Como eu ia esquecer...

- Sim?

- veja: os anjos em geral, apesar de não terem nenhum problema relacionado ao convívio com tais, guardam um certo receio em relação a determinados grupos de anjos e suas possíveis idéias, em especial o maestro lúcifer...

- hum, hum, hum... Os mesmos anjos que acham que anjos não opinam... Mas vem cá... Você disse que ia mandar a matéria pro lorde, é?

- é...

- mas, vem cá, a gazeta não tem nada a ver com ele, né? Ou tem?

- bem, eu só posso fazer como um idiota e responder com uma pergunta: o que é que não tem a ver com Ele? (cochichando) tudo o que corre pela imprensa aqui passa pelo crivo d’Ele.

- por que é que você está cochichando, cara?

- ah, sei lá, quando a gente fala mal de alguém dá vontade de falar baixinho.

- tá, mas como nos encontraremos então?

- não se preocupa, não. Assim que der eu vou ao seu encontro

- tá legal, mas vê se não vai chegar em ocasião do espetáculo.

- ta, pode confiar em mim.

Despediu-se de Fabríciel. Poxa, estava tão inspirado e leve e agora surgira em si, outra vez, o fatídico assunto: Javeh, o déspota. Agora pronto. Já era. Todos os seus pensamentos convergiam para a suas revoltas internas, tanto em relação Àquele Que É quanto em relação a si mesmo, à sua passividade, que, mesmo com tantos conceitos desafiadores, o deixavam igual a toda a angélia. E agora mais essa! Quer dizer que aquele déspota também manipula a imprensa! P’rum ser tão convencionalista, ele é bastante surpreendente. Por que é que esse povo não percebe? E se percebe, não fala nada! Bando de medrosos! Ainda acreditam nesse papinho de “imanifestabilidade angelical”. Se fosse comigo, eu... Espera! Se fosse comigo eu faria igualzinho! E é comigo! Mas... por que não? Ora... Porque eu não quero me expor! Só isso. Se eu pudesse antever as reações do déspota... Se eu soubesse até onde vai essa máscara de Deus de absolvidor incondicional... Mas não. É demasiado arriscado. E eu não faço apostas quando eu posso perder...

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